sábado, 15 de setembro de 2007

Air Alert III

Neste artigo, os autores d’"O Percurso" unem esforços para relatar uma experiência que partilharam, cada um em fases diferentes do caminho, com o programa de treino Air Alert III. Ao completar as 15 semanas que o perfazem, diversas reflexões urgem ser contadas, e é com esse intuito que surge a ideia de deitar mãos à obra a este artigo. Para melhor ilustrar a experiência foi também tomada a decisão de registar em filme o primeiro dia da última semana deste treino, tarefa que se apresentou árdua no planeamento e na execução mas cujo resultado foi gratificante. São estes registos e relatos que colocamos agora à vossa disposição.
 
Air Alert On Alert!
 




O Air Alert é um programa de treino para as pernas, feito por amadores, cujo objectivo é aumentar a capacidade de salto do praticante de uma qualquer actividade em que se precise de saltar. Segundo a descrição que nos é dada, o objectivo é levar à exaustão completa determinados músculos, nomeadamente os quadríceps e os gémeos, para que a recuperação permita um alcance maior com cada salto. O programa dura 15 semanas, ao longo das quais a carga de treino vai aumentando progressivamente, culminando com a 15ª semana, em que a carga é aumentada brutalmente, com a intenção de levar o atleta até ao seu limite. Ao todo, são 6 os exercícios que o compõem. Para uma informação sobre quais os exercícios e qual a forma de progressão do programa:
http://marchioli.weebly.com/uploads/4/1/1/0/411065/air_alert_iii.pdf

Pedro – 30 de Maio a 10 de Agosto de 2007:

O Air Alert não é unicamente uma experiência física. A completação do programa implica um certo rigor psicológico e muita vontade. Isto acontece devido a duas razões, que fazem do Air Alert um exercício diferente: O longo período de tempo em que se desenrola e o carácter metódico com que foi desenvolvido, não apenas relativamente ao número de repetições a ser feitas, mas também aos dias concretos em que têm que acontecer.
15 semanas é tempo suficiente para alguém mudar de opinião acerca da sua vida e do seu treino muitas vezes, tempo para ter picos de entusiasmo e excitação com o que faz e quebras fortes de abatimento e desânimo. É mais que tempo suficiente para se perder toda e qualquer motivação e esquecer que se começou sequer a fazer o programa. Banalizando, não se sabe onde estaremos amanhã, muito menos daqui a 15 semanas. No que estaremos a pensar e a sentir. A verdade é que basta muito pouco para mudar muito quando se trata de nos mantermos motivados perante uma tarefa que se apresenta dura e dolorosa.
Os criadores do programa são muito explícitos no que toca ao número das repetições e aos dias a serem feitas. Segundo eles, para que o programa resulte, tudo tem que ser seguido à letra tal como nos apresentam. Fisicamente é difícil, psicologicamente é muito mais. Isto porque o estado físico é um estado muito mais estável que o psicológico. Se não estamos a ser acometidos por nenhuma doença ou anomalia temporária e se não tivermos um qualquer acidente em que partamos um osso ou outro, então não acontece acordarmos de repente numa manhã e verificarmos que não nos conseguimos mexer, ou que temos os pés virados ao contrário, calcanhares para a frente. No entanto, quão fácil não é acordarmos macambúzios, irritados, sombrios ou simplesmente tristes. Basta muito pouco. Perder o autocarro ou a constatação da rotina que levamos para o trabalho. Acontece que, independentemente dos dias bons e dos dias maus, o programa tem que ser cumprido naquele dia específico, e aquelas repetições particulares têm que ser feitas, até à última. Não só esta questão dos níveis de motivação necessários terem que ser altos durante o período, mas todas as questões logísticas que se vão intrometendo. Com o avançar do programa, o tempo necessário para o completar em cada dia vai aumentando, consequência do aumento do número de repetições, do número de séries e do tempo de descanso necessário entre cada série, o que tende a gerar conflitos com tudo o resto que preenche a semana: Aulas, encontros, refeições, horas de estudo, os próprios treinos… No limite, tudo acaba por ser afectado, incluindo as horas de sono, para que seja possível arranjar disponibilidade para fazer os exercícios.
Encarar o Air Alert seriamente é procurar, por tudo, não faltar dia algum nem omitir repetição alguma. Precisamente porque fisicamente não faz diferença no dia 3 da semana 12 falhar duas repetições mas psicologicamente sim. O valor do programa está naquilo que o atleta investir nele. Encará-lo como um colosso a derrubar é inevitável, mas lutar com tudo para o conseguir derrotar é virar toda a ideia do avesso e pôr todas as dificuldades do programa a nosso favor. A maioria dos treinos que fiz depois de completar a sessão de Air Alert desse dia foram melhores que outros em que não era dia de fazer Air Alert. A pernas estavam muito mais prontas a reagir, muito bem aquecidas e como que verdadeiramente activadas. Antes de pensar em fazer um salto já me sentia sem os pés no chão. Aqueles dias em que menos vontade sentia para me levantar e pôr-me aos pulos foram os permitiram a maior satisfação após a última repetição do último exercício. Nesses dias sombrios, o Air Alert deixou de ser um fardo a carregar para passar a ser a laje sobre que caminhei durante o resto do dia. Simplesmente sentia-me feliz por ter conseguido ultrapassar aquele momento em que uma dúvida muito concreta e familiar assomou à mente e me tentou distrair daquilo que queria realmente fazer comigo.
Em suma, o Air Alert é um programa fisicamente desgastante e arrojado. A prova disso é, por exemplo, os tempos de descanso entre exercícios ao longo das 15 semanas. Se comecei a descansar 1 minuto e meio, tal como prescrito, acabei a descansar, na última semana, 10 minutos, depois de certas séries. Psicologicamente, o longo período de tempo que exige para ser completado torna-o um desafio hercúleo. Como uma terra por arar, que só produzirá bons frutos se se despender o tempo e o esforço necessários a cultivá-la, quanto mais rigor e empenho, mais viçoso e saboroso crescerá o alimento.
Quanto a esse mesmo alimento, não é nunca uma questão de o programa resultar ou não. Se for cumprido, resulta sempre. A verdadeira questão é o que fazer com a nova força que alcançamos.

Bruno – 28 de Agosto a 8 de Dezembro de 2006:

A primeira semana foi em Agosto. 2006. Não me recordo exactamente das expectativas que tinha quando comecei. Sei no entanto que não tinha certezas sobre se iria terminar, não sabia que resultados iria atingir e certamente não tinha noção do peso que tamanho empreendimento iria tomar na minha rotina. Nessa primeira semana, aquela que tem a carga de treino menos pesada, a sessão durou cerca de meia hora, o tempo de descanso foi respeitado, não rigorosamente confesso porque a fadiga fez-se notar (apesar de não ser uma sessão muito dura não é de todo fácil para quem nunca fez um treino semelhante), mas comecei. Com o passar do tempo esta meia hora, três vezes por semana, transformou-se rapidamente em 45 minutos, 1 hora, 1 hora e meia, isto porque o número de repetições aumenta, o número de séries também e o tempo de descanso entre elas (apesar de não ser suposto) cresce inevitavelmente. Quando me aproximei do fim do programa, na semana 13 e na semana 15 principalmente, a duração do treino chegava facilmente às 2 horas e aí o impacto na forma como organizava o meu dia e a própria semana era tremendo. A certa altura tudo parecia girar em torno do Air Alert – as horas a que acordava, as horas em que estudava, as horas das refeições, etc. Foi necessário obrigar-me a uma disciplina rigorosa para garantir que chegava ao fim.
No entanto devo dizer, sinceramente e sem qualquer presunção, que desistir nunca fez parte dos meus planos. Cedo compreendi que resultados verdadeiramente significativos só seriam conseguidos com a conclusão do programa e apesar de saber também que é perfeitamente possível ir e voltar ao treino sem a assiduidade académica que nos é imposta e que nada negativo daí advém, a verdadeira maximização do esforço aplicado no Air Alert só é conseguida ao terminar as quinze semanas de treino. Mais tarde, ao conversar com o Pedro sobre esta mesma questão, chegámos à conclusão (não totalmente fundamentada, claro) de que em última análise a eficácia do Air Alert resume-se simplesmente à realização da décima quinta semana do programa e de que todas as outras não são mais do que uma preparação para o esforço final a que temos de sujeitar as pernas. Por outras palavras, é durante esta última semana que os resultados mais significativos são cozinhados pois aí o treino está feito para esgotar completamente os músculos e lançar a sua recuperação, ao fim da qual podemos comprovar os resultados do nosso esforço.
Agora, um ano depois de ter começado e muitos meses depois de ter terminado, sinto poder tirar partido deste investimento em cada treino que faço. Contudo, o Air Alert não saíu ainda da minha vida. Regresso, com uma regularidade que tento que seja semanal, à sessão que é proposta na oitava semana do programa, no sentido de dar continuidade aos resultados obtidos. Agora que as pernas estão mais fortes é também desejável abordar este treino com um rigor que não foi possível respeitar durante o programa completo – tento saltar mais alto em todas as repetições, tento reduzir o tempo de descanso entre as séries e tento não descansar de todo no momento em que mudo de exercício.
Para terminar gostaria de fazer notar que o Air Alert não serve só para saltar mais longe ou mais alto, na verdade, o fortalecimento das pernas traduz-se também (independentemente das distâncias) numa capacidade para fazer uma chamada mais determinada, uma chegada mais controlada e até uma corrida mais ligeira e por isso mais fluida. O Air Alert permite saltar mais longe mas acima de tudo permite saltar melhor.