A escolha de uma alteração no hábito e no regime alimentar, em prol de um aumento da capacidade e resistência físicas, é um exemplo da influência mais forte na nossa vida que podemos receber da prática do Parkour. Alargar esta influência significará um aumento das vantagens, e sacrifícios, que esta actividade, muito mais do que apenas física, nos pode trazer. A vontade para explorar a totalidade destas vantagens é talvez a característica mais valiosa deste movimento que pode ser o Parkour, se o quisermos.
Fazer depender um dos mais caros hábitos, uma das mais importantes necessidades que temos, dos resultados conseguidos durante um treino é uma prova de que fazer Parkour não termina com o último alongamento. A adaptação física do nosso corpo a uma actividade tão exigente, como pode ser o Parkour, pode ser conseguida mais eficazmente, e, de certa maneira, só é plenamente conseguida, se formos capazes de regular criteriosamente o que acontece dentro do nosso corpo. A adaptação tem que ser conseguida através da reacção a estímulos externos, a atenção dada ao contacto do corpo com o mundo exterior, como fazer flexões ou abdominais, mas deve ser apoiada, reforçada, completada, pela reacção a estímulos internos, o estabelecimento de uma comunicação com a parte interior do nosso corpo. Saber ouvir o corpo e dialogar com ele parece trazer benefícios. Isto passa por, por exemplo, procurar apercebermo-nos das alterações biológicas e orgânicas face ao tipo de matéria-prima que damos ao nosso corpo para trabalhar, face ao que comemos. De certa maneira, não é muito diferente de quando nos apercebemos de que convém pararmos de treinar porque há uma certa dor, num sítio específico, que nos alerta para o excesso de esforço. Dir-se-ia que a dor é a forma que o nosso corpo tem de chamar mais a atenção, como o choro a plenos pulmões do bebé quando se sente aflito com alguma coisa. Porém, tal como um bebé pode estar a sentir-se só, aborrecido, melancólico, e não berrar, simplesmente ficar ensimesmado a um canto, também as pequenas alterações que ocorrem em nós, positivas ou negativas, nem sempre nos provocam dores. Elas parecem exigir uma atenção mais minuciosa, um entendimento das subtilezas dessas alterações, que muitas vezes é ignorado apenas porque tais alterações não trazem consequências tão visíveis como o aumento da massa muscular ou da capacidade de salto.
Penso que a maioria das pessoas reconhece facilmente que uma dieta saudável faz de alguém um traceur mais saudável. Tendo em vista que o corpo funciona como uma unidade, aquilo que é ingerido vai estar relacionado com o que conseguirmos fazer durante o treino. A escolha de uma dieta depende daquilo que procurarmos fazer com o nosso corpo. Por exemplo: Para o Parkour, o corpo deve ser o mais eficiente possível na gestão do seu peso. Por isso, a redução da gordura a um mínimo é uma forte ajuda para o treino. A massa muscular, ainda que essencial para tudo o que implique movimento, pesa também, mais até que a gordura acumulada. Ao reduzirmos a gordura acumulada, retiramos peso morto ao corpo, e, ao nos tornarmos mais leves, passamos a necessitar de menos força para conseguir as mesmas proezas durante o treino. Menos força significa menos massa muscular, ou seja, menos peso ainda. Com a força de que já dispomos, conseguimos saltar mais alto e mais longe, unicamente devido ao cuidado com os alimentos ricos em gordura. Como consequência, não precisamos tanto de perder treinos a melhorar a condição física e podemo-nos concentrar em treinos mais técnicos e, certamente, mais divertidos.
Esta alteração do hábito alimentar é um desafio, e há muitos factores, como o hábito ou a gula, que facilmente nos dissuadirão a aceitá-lo com parte integrante do nosso treino. Sermos capazes de percebermos os benefícios, de registarmos as alterações subtis, que por vezes são bastante evidentes, na nossa capacidade e no nosso bem-estar, funciona como um incentivo para uma mudança na dieta. De uma forma geral, parece haver uma primazia de sensações fortes na forma de vida das pessoas, actualmente. Esta é uma ideia de que nos apercebemos, o Bruno e eu, quando partilhávamos uma salada, depois de um treino. Ao conversarmos, demos conta do facto de a alimentação, na nossa sociedade actual, estar muito assente nos sabores fortes e carregados. Parece que os critérios da maioria da oferta e da procura alimentar são um número mínimo de sabores por refeição e um grande peso de cada um desses sabores. Neste aspecto, temos vindo a tornar-nos (ou sempre fomos?) cada vez menos subtis nas nossas escolhas e na avaliação que fazemos do que comemos. Conta mais o excesso de poucos alimentos do que a moderação de muitos. A obesidade é um indício desta atitude.
Se tomarmos em conta os grandes chefes de cozinha, vendo-os num qualquer programa de culinária, é fácil darmo-nos conta de um certo refinamento no seu paladar, uma sensibilidade gustativa de que a maioria das pessoas nem suspeita. Facilmente consigo imaginar que, para eles, a ideia de uma refeição traz consigo a riqueza de uma aventura no mundo dos sabores, em que o gosto rude e cru de um bife simplesmente temperado com sal e frito com margarina é mil vezes refinado, decomposto e explorado em direcções diversas e matizes variados, através da interacção com a infinidade de outros sabores à disposição na natureza. Uma alteração no hábito alimentar deve, talvez, por isso, ter de passar por uma conquista de uma certa ambição em querer embarcar numa aventura semelhante de cada vez que nos sentamos à mesa. Talvez isso implique aprendermos a cozinhar, conhecermos mais acerca dos muitos alimentos que há, das suas relações e dos segredos que os seus sabores conjugados encerram. Sobretudo, talvez nos ajude a alterarmos a nossa dieta mais facilmente, com um prazer genuíno até, e melhorarmos o nosso treino à custa de conhecermos novas facetas da nossa alimentação.
Suspeito de que esta sensibilidade na nossa alimentação está ligada com essoutra nas alterações mínimas que se produzem no nosso corpo, a que me referi acima. É algo como nos deixarmos invadir pelas coisas, no contacto que temos com elas. Como interagirmos fluidamente com todos estes aspectos do treino, como se nos juntássemos ao caudal de um rio que corre calmo. Algo como escutarmos, em silêncio, os ecos dos passos que vamos dando ao longo do percurso.