Descobrir qual é o percurso passa por descobrirmo-nos, conhecermo-nos, chegar a termos com a nossa forma mais essencial, mais elementar, que é a forma que tomamos no momento do salto. Aí, sem rédeas e sem rede estamos perante a dúvida e a certeza, à beira do momento em que fazemos a descoberta. Qual é então o caminho? Que via devemos seguir? Qual a direcção...? Julgo poder agora, com alguma serenidade, escrever sobre algo que vai, sem dúvida, tornar o meu percurso um pouco mais claro ( ainda que tão pouco o vislumbre na totalidade) e também mais fácil, em certa medida.
O movimento, em harmonia com o espaço, pode ser descrito de formas diversas - rápido, útil, ágil, fluído - eu gostaria agora de introduzir um novo elemento que pode enriquecer esta descrição. Esse elemento é o som. Pare, ESCUTE e olhe! A todo o momento os ouvidos podem estar ao serviço do nosso treino, em alerta constante, a avaliar a qualidade do som no momento do salto. Assim, o movimento pode, à luz deste parâmetro, adoptar novas e diferentes características - pode ser grave, pode ser agudo, pode ser seco, curto, longo, ou pode simplesmente não ser. O som do salto pode ser também um barulho, um ruído excessivo e desagradável mas muito eloquente na forma como explica a nossa chegada contra o objecto em vez de uma recepção harmoniosa. Estou convencido de que a procura deve passar pela eliminação do barulho, por completo. Quando possível, por conseguir o movimento em silêncio absoluto, suave, isento do ruído que nos devolve à gravidade. Julgo que é nesse momento, nesse instante de pura liberdade, que é possível ser verdadeiramente líquido sobre o objecto.
O silêncio existe. O silêncio é o som da sombra das coisas.
Mas a implicação fundamental, no meu entender, de trazer os ouvidos para os treinos é a forma como isso pode servir de filtro para sabermos aquilo que o nosso corpo é capaz de suportar sem sofrer qualquer dano. O que foi para mim a grande revelação foi entender que acima de tudo esta pode ser uma óptima defesa contra as lesões mais difíceis de avaliar, aquelas que surgem a longo prazo e que não sentimos imediatamente. Assim, podemos dizer que se não conseguimos saltar e aterrar em silêncio, o nosso corpo não está ainda preparado para o fazer. Existe, para todos nós, uma altura a partir da qual não conseguimos cair sem ruído e é portanto a essa altura que devemos estabelecer o nosso limite, dando dessa forma um sinal de respeito pelo nosso corpo.
Se na música ( que é a arte de tratar o som) cedo se compreendeu que o movimento tinha um papel central a desempenhar como podemos constatar em manifestações como a dança ou tal como nos deu a conhecer Émile Jaques-Dalcroze no domínio da pedagogia musical, por exemplo, então também na nossa forma de expressão ( que é a arte de tratar o movimento) o som deve estar presente e deve ser parte integrante do nosso percurso. De uma forma curiosamente paradoxal encarar o som como uma prioridade é também, tal como referi, procurar que ele passe despercebido. É, em última análise, procurar a sua mais absoluta diluição.
Depois do salto, a chegada. A quietude das coisas serenas. A serenidade das coisas paradas. O silêncio.
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