sexta-feira, 26 de outubro de 2007
domingo, 14 de outubro de 2007
Pare, escute e olhe!
sábado, 15 de setembro de 2007
Air Alert III
domingo, 19 de agosto de 2007
O Parkour por contraste (parte 1)
O desporto em geral tem uma função muito específica na sociedade. Entre outros, tem o papel de entreter os cidadãos, balanceando com uma descarga regular de emoções o acumular angustiante da vida de trabalho e obrigações que mantêm. Independentemente do significado que poderá dentro da sociedade o desporto e o Parkour, procuro distinguir aqui, de um ponto de vista mais particular, as diferenças conceptuais entre estas duas actividades, apontando algumas consequências no que toca à experiência de cada uma delas.
A meu ver, faz todo o sentido distinguir, realçar e separar o Parkour de todas as outras formas de actividade física que o Homem soube inventar e desenvolver até hoje. Estas actividades, segmento-as de uma forma lata, por questão de facilidade na exposição das ideias, salvaguardando, contudo, o valor que cada uma dessas actividades tem por si mesma. Desta forma, separo-as em jogos, desportos radicais, artes marciais e ginástica/atletismo.
Jogos
Desde que tem consciência de si que o homem vem criando formas de se entreter, de passar o tempo, desafios que, por alguma razão obscuramente explicada pela tendência para a sobrevivência que tem, lhe dão gozo superar. O gosto que, individualmente, o praticante de um desporto tem, é algo de muito diferente do gozo que a audiência tem em vê-lo praticar esse desporto. Se o primeiro é levado, quase de uma forma irracional, pelas emoções que a tarefa que tem perante ele lhe suscita, toda a mínima jigajoga que acontece dentro dele e que sente com prazer, a segunda é levada ao frenei dos aplausos ou dos apupos por uma qualquer sensação de admiração que esperam poder vir a sentir por quem joga, por quem se prostra diante dela, todos os caminhos que essa pessoa lhes permite percorrer através do simples facto de a verem fazer algo que a seus olhos parece, fantástico, deslumbrante e, por vezes, impossível.
Todas aquelas actividades que englobo na categoria de jogos têm um conjunto de características que, se por um lado lhes são próprias, por outro são requisitos necessários para que tal actividade seja tida como um desporto. Destas, vou-me referir exclusivamente às que não estão presentes no Parkour, de forma a procurar definir, por contraste, aquilo que se pode entender como Parkour.
A primeira destas é o objectivo. Todos os jogos são constituídos, na sua essência, pelo binómio objectivo/regras. Ao ser apresentado a alguém, é quase certo que aquilo que lhe for dito e aquilo que essa pessoa espera ouvir para poder “entender o jogo” é o objectivo a ser cumprido, ou seja, aquilo que ela tem que fazer para que a sua participação nele seja um sucesso.
A segunda destas características são as regras. Nestas, incluo todas as normas a serem seguidas ao se participar nesse jogo, tudo quanto se deve e não deve fazer, se pode e não pode, para que o pratiquemos correctamente. Numa palavra, todo o edifício jurídico que subjaz à sua prática. De uma maneira geral, são estas regras que dão gozo ao jogador, elas são a razão de ser de todo o jogo. De facto, a diversão é extraída do simples percurso que uma pessoa leva a atingir o objectivo desse jogo cumprindo as regras estipuladas. São elas que criam o desafio que nos dá tanto gozo superar ou ver superado. Elas variam consoante o objectivo a ser cumprido e, como tal, com o jogo em questão. Não as havendo, o resultado é fácil de verificar: pensemos apenas na possibilidade de se poder usar as mãos no futebol, um escadote no basket, ou puxar a rede no volley. O objectivo seria de imediato cumprido, sem dificuldade alguma e o jogo perderia todo o seu propósito. É talvez por isso que os melhores do mundo num determinado jogo, aqueles que apenas surgem de tempo a tempos, muito raramente ou nunca quebram as regras daquilo que dominam. Eles sabem bem no seu íntimo que o sentido de jogarem àquilo só está nas regras e no rigor com que são cumpridas, que esse é que é o desafio, não o atingir do objectivo simplesmente. Num jogo como o xadrez, tal questão nunca se coloca, mas num como o futebol, ela surge constantemente dado a leviandade com que as faltas, a quebra dessas regras, são cometidas.
A terceira é a interacção com objectos e locais específicos. Todos os jogos utilizam um ou mais objectos para construir um objectivo a ser cumprido e regras de regulação na utilização desse objecto. Retirando-se o objecto, ou privando os jogadores de um local com determinada característica (uma baliza, uma rede, etc), o jogo deixa de poder acontecer.
As consequências trazidas por estas três principais características dos jogos, no que toca à sua prática concreta, são o fechamento e a limitação da imaginação e capacidades do praticante a uma estrutura imóvel e rígida, cujo valor está na sua imutabilidade ao longo do tempo. É por isso que é muito fácil para nós imaginarmos o protótipo ideal do jogador de um qualquer jogo. Tem que ter a característica X, ser capaz de fazer Y, ser Z, e terá sucesso garantido. Tal é possível precisamente devido a toda a bagagem conceptual acabada, todo o vasto conjunto de modelos que a concepção de cada jogo traz consigo. Fazemos corresponder a cada item de tal concepção uma aptidão física ou psicológica e reunimos o “necessário” para alguém ser bom jogador. Eu chamo limitada a esta concepção porque, para qualquer jogo que haja, o praticante ideal nunca precisará de ter todas as aptidões e capacidades humanas desenvolvidas ao máximo. Para um basquetebolista, a capacidade de medir distâncias e adaptar a força dos dedos e dos braços ao lançamento de uma bola consoante as distâncias que mede são essenciais. Porém, não há necessidade alguma de desenvolver a capacidade de leitura descentralizada da movimentação em grupo que os jogos como o Rugby implicam. Ao nível físico, este aspecto torna-se ainda mais explícito. No limite, seria possível apontar tudo quanto impõe a prática perfeita do basquet. Seria uma lista grande, mas finita.
O prazer e utilidade que advêm da prática e visualização destes jogos têm muito a ver com a relação entre algo que tem que ser sempre permanente e fechado, a forma como se joga e a razão por que se joga, e tudo quanto, dentro dos limites impostos por cada estrutura em particular, pode acontecer de extraordinário, de incomum. É nessa dialéctica do que o que se espera com o que se sabe poder acontecer inesperadamente que o prazer surge. Se, num jogo de futebol, houver golos, sabe-se e espera-se que tal aconteça com a bola a entrar dentro da baliza. Porém, ainda que se possa antecipar muitas maneiras para isso acontecer, há muitas outras em que não pensámos e que são possíveis, e é seguramente à procura dessas que nos sentamos a ver o jogo, quanto mais imprevisíveis e inconcebíveis, melhor. Aplaudimos, por isso, aquele que for capaz de imaginar essa maneira incrível de, cumprindo as regras, atingir o objectivo do jogo utilizando os meios à sua disposição. A sua imaginação é fundamental para o seu sucesso, mas apenas enquanto estiver refreada pela estrutura do próprio jogo, enquanto esta lhe servir do molde. Assim, ela pode ser usada para qualquer coisa… desde que, no caso do futebol, não utilize as mãos, não haja agressão física ou verbal, não saia com a bola para fora das linhas, etc. fora todas essas limitações, a imaginação é livre, mas, devido a elas mesmas, torna-se limitada.
Independentemente das imensas possibilidades encerradas de diversão, entretenimento e prazer que um jogo encerre, ele está sempre sujeito ao seu carácter fechado que já referi. Assim tem que ser porque apenas assim é que ele tem piada. Desta forma, cada jogo transmite uma sensação de gozo única e específica desse mesmo jogo, e apenas a sua própria. A procura desenfreada de formas novas para nos encontrarmos com o que somos capazes de fazer e para nos divertirmos com isso, aliada à criatividade que nos define enquanto espécie, levou-nos a um sem número de descobertas e criações diferentes e variegadas, desde o futebol ao ténis, do golfe ao xadrez. Cada um encerra modelos e estruturas que permitem o desenvolvimento de faculdades específicas e exigem diversos tipos de talento. Cada um leva consigo obrigatoriamente as três características e tudo quanto elas implicam.
Fim da 1ª parte.
quinta-feira, 19 de julho de 2007
terça-feira, 17 de julho de 2007
A dúvida
O propósito do presente blog é o de explorar, por qualquer meio e utilizando qualquer ferramenta, tudo o que implica e representa o Parkour na nossa vida e na forma como encaramos o mundo.
Talvez por demasiado querer ou uma intenção algo ansiosa, mas decerto também devido à falta de experiência, têm surgido dificuldades ao nível da inspiração e da estruturação das ideias que gostava de expor. Sobrepondo o seu peso ao destas razões, uma certeza, mais do que qualquer outra, tem dificultado o arranque dos passos iniciais deste percurso: a dúvida. Como um estado de espírito recorrente, e arrastando consigo um humor perturbador, o desamparo que uma forma de estar algo insegura, e muitas vezes pouco firme, provoca na minha relação com aquilo que sinto poder ser um dos maiores bens da vida, tem vindo a alojar num pântano de reticências alguns sonhos e aspirações que sinto em bruto poderem brotar da forte e completa presença do Parkour na vida de alguém. Faz, portanto, todo o sentido que exponha no blog um tópico sobre esta dúvida.
As causas associadas à tão forte presença de uma tão amarga disposição na minha vida são-me desconhecidas. Conhecida é a maneira como este sentimento vai e volta, como se afasta para de novo retornar, como se despede para, no momento seguinte, me cumprimentar de novo. Sei acerca dele que ganha a sua força junto daqueles elementos da minha vida que me são mais caros, engordando à custa dos receios que sinto pela vulnerabilidade de determinadas zonas privilegiadas da minha existência subjectiva. Parece ter, como condições para florescer, a envolvência da minha atenção e do meu interesse e a minha entrega emocional, de forma recorrente, ao longo de determinados períodos de tempo, com a consequente possibilidade de desgaste desse material de que são fabricadas as emoções sempre que tudo parece correr mal o que, no limite, me conduz a cinzentas situações de angústia. Um exemplo destas, relacionado com a vida de qualquer traceur, são aquelas situações em que me sinto não estar a evoluir como deveria, como se estivesse permanentemente a perder um comboio em que todos os outros traceurs já embarcaram há muito, ou aqueles finais de dia em que, finado o treino, sinto não ter conseguido ser forte o suficiente para dar o máximo.
Acho que sentir dúvidas em relação a algo é conceder a isso sobre que se sente dúvidas uma importância já por si relevante, de tal modo que nos sujeitamos, por isso, a colocarmo-nos na frágil situação de nos sentirmos mal sempre que algo corre inesperadamente mal. Sabemo-nos nesta situação, em relação a algo, quando nos ouvimos inconscientemente sussurrar a nós mesmos que gostamos tanto de algo ao ponto de não querermos nunca vir a sentir o mais pequeno amargo travo que nos traz a antecipação sobre a perda disso de que gostamos. Afinal, quem ainda não pensou em desistir de treinar? Quem não se perguntou ainda se foi feito para o Parkour?
Não sei por que mecanismos obscuros a minha consciência opera em mim esta relação com aquilo que aceita no seu círculo mais íntimo, mas sei ser muito viva esta sensação de dúvida fundada em temores e receios de perda e descontinuidade, capazes de me conduzirem amiúde a dias de solidão amarga e impotência, cuja origem, ironicamente, se encontra na força da entrega.
A dúvida, sinto-a em relação ao Parkour.
Sinto esta frase nua. Despida de qualquer pretensão, romantismo ou ironia, tal e qual como a lâmina que, forjada e afiada recentemente, corta despretensiosamente a carne. Aterroriza-me, com esta dúvida, a sensação latente de me querer apoiar no gosto que tenho por algo cuja importância na minha vida ainda não vislumbro totalmente e que, por isso, não consigo sentir como algo firme e seguro sobre que me apoie. Acorrentada a esta dúvida, porém, sinto a mais profunda certeza, de que, o que quer que seja o Parkour como ideia e qualquer que seja o peso da sua importância na minha vida, os caminhos por que me leva no pensamento e na imaginação são dignos do esforço de querer pô-los por escrito. Sei, porém, que tal tarefa apresenta-se não apenas hercúlea, mas, de certo modo, impossível de concluir. Resta-me tentá-la, e o resultado apresenta-se aqui.
Em relação a esta dúvida, descrevo-a como algo que seca, que chupa vitalidade, capaz de me pregar a uma cadeira, em frente a um computador ou televisão. Se a ideia de ir treinar aflora à consciência, ela apresenta logo de seguida todo um conjunto variegado de interesses e opções, alternativas ao esforço físico que o meu corpo pede para não sentir e encarrega a mente de garantir que assim não aconteça, como, a uma ferida aberta, procuramos com urgência imediata estancar o sangue com panos e pensos. Sinto-a prendendo-me os pés ao chão, reforçando a acção da gravidade sobre um corpo que progressivamente sinto mais absorto, ao ponto de me convencer a ficar em casa a ver um filme ou a ler um livro, repousando negligentemente pelos dias arrastados de uma semana preguiçosa. Esta dúvida, sobre se devo ou não ir treinar, se quero sair ou permanecer, se realmente devo mudar-me para o Parkour ou apenas visitá-lo esporadicamente, sinto crescer com a intromissão a que, de facto, vou dando azo à medida que me vou envolvendo mais e mais. Ela veio despertar uma querela interna entre duas atitudes perante as coisas da vida em geral, e o esforço físico em particular, que alternadamente se apossam da minha maneira de estar: Uma paixão e devoção juvenis e fogosas que vivem, em toda a sua pujança, num corpo jovem, originadas daquela postura adolescente para com a vida, caracterizada pela vivência intensiva e frenética das experiências, e toda a força acumulada e desperdiçada de uma apatia construída diariamente, uma apatia que poderia ser chamada de moderna, ligada a um estilo de vida recente, de não mais que 100 anos, que toma conta do nosso corpo e atitudes, tão subtilmente quanto o pó que assenta num livro que não se abre há muito tempo, deixado negligentemente entregue à companhia da solidão, numa velha estante de madeira escura num canto do nosso quarto.
Julgo que a dúvida que procuro apontar aqui é a forma como se manifesta, na minha consciência, este embate. Perante a necessidade de mudar que o Parkour cria e exige, com toda a eliminação de hábitos tão profundamente enraizados, aprendidos desde há muito por mim enquanto membro da sociedade onde estou, a resposta mais natural de todas foi a do miúdo que, pela primeira vez visita a praia. Excitado, corre freneticamente atravessando a areia escaldante em direcção à grande massa azul que, com uma única visão, o engole por inteiro. Deslumbrado, deixa-se entregar hipnotizado ante aquela visão de potente força da natureza, deixando-se guiar inconscientemente até à sua beira. Uma vez aí chegado, à medida que vê as pequenas ondas enrolarem e baterem no chão cada vez mais próximo de si, sente o seu ímpeto ceder, a pouco e pouco a energia consumindo-se em pequenos sustos e suspiros de receio. Gradualmente, o miúdo vai-se apercebendo da imensidade que aquela grande superfície azul encerra em si, de todos os pequenos mundos que dentro de si permite viver, da titânica presença de que é capaz, de quão alto o permite, a ele, subir. E cair. Então, numa disposição ambígua, aproxima-se da água fria e afasta-se de seguida, corre para ela soltando risadas de excitação e, tocando-lhe com o dedo do pé, retorna rapidamente para onde a terra é seca e parece firme. É nessa dança emocional de entrega e afastamento que vai dando os primeiros passos no conhecimento do que o rodeia e do significado daquele todo azul magnífico. Procurando projectar tal dança sobre a minha relação com o oceano em que queremos todos mergulhar, julgo que a existência de tão grande dúvida e receio em mergulhar de cabeça nas suas águas se deve ao tamanho que o fenómeno do Parkour pode ter na minha vida e, mais importante, à consciência que eu tenho dessa totalidade. Ao que ela implica. Sabê-lo é sentir um peso sobre os ombros, a responsabilidade de trabalhar para a construção de alguém que o Parkour me diz, por todas as suas letras, ser possível criar.
Sobre que totalidade é esta e como ela nos leva a encarar o Parkour como um verdadeiro Percurso, não cabe falar neste post. Ele só pode servir como apontamento e breve esboço desta dúvida de que falo. Serve para dizer que a sinto em mim quando penso no Parkour, e que isso é o mais fidedigno dos sinais de que este já entrou na minha vida.