quinta-feira, 26 de junho de 2008
sábado, 14 de junho de 2008
Brasil e Portugal – duas margens de um percurso
Mas a ponte não se faz apenas de palavras, nem de estimulantes trocas de opinião. A ponte é feita acima de tudo de experiências, da partilha dos mesmos locais, dos mesmos treinos. É por isso que traceurs de todo o mundo vão a Lisses e a Evry, porque esses são os lugares mais carregados de experiências e conhecimento. E como diz o TK, autor do Project Pilgrimage, essa viagem atinge o seu sentido mais absoluto quando nesses lugares há o encontro com as pessoas que treinam lá, que cresceram lá, que construíram as experiências de que esses lugares são feitos, quando há essa partilha de que falei. É portanto legítimo que os traceurs brasileiros sintam o impulso de fazer a viagem até Lisses e Evry, tal como eu o sinto.
Para que a ponte entre os nossos dois países não seja só feita de palavras e para que possa haver uma verdadeira partilha das experiências que reunimos até aqui eu vou ter a ousadia de propor aos traceurs brasileiros que pensem em Portugal como um ponto de passagem, mais uma etapa se quiserem, na viagem que vão fazer até Lisses e isto para mim faz todo o sentido por três motivos fundamentais. O primeiro está relacionado com facto de o Parkour ter nascido na Europa. A paisagem urbana e suburbana que predomina neste continente tem especificidades que a distinguem de outros lugares do mundo e, sendo extremamente heterogénea, forma um estranho agregado de possibilidades que é muito singular. A diversidade é tão grande que se nos conseguíssemos afastar o suficiente (não para cima, nem para o lado mas em todas as direcções ao mesmo tempo) para conseguir uma perspectiva global sobre este emaranhado de construções, julgo que veríamos essa diversidade transformada num enorme borrão de formas indistintas, homogéneo, afinal de contas. No entanto o desenvolvimento deste tema é material para outro artigo e por isso apresso-me a concluir este ponto referindo que Portugal, sendo um país europeu, faz parte desse borrão e partilha com França muitas das características urbanísticas que privilegiam a prática do Parkour.
A segunda razão vem no seguimento da primeira e é simplesmente o facto de Portugal ser o país europeu geograficamente mais perto do Brasil. Assim, é um ponto de passagem lógico para quem quer fazer a viagem até França. E seguindo este raciocínio rapidamente chegamos ao terceiro e último motivo que é obviamente a proximidade facilitada pela língua. Um país desconhecido pode ser um lugar pouco acolhedor quando não há uma ligação linguística com as pessoas que nele vivem, pelo contrário, um país onde falam a mesma língua que nós é obviamente muito mais convidativo e essa é menos uma barreira que um visitante tem de enfrentar. Para quem vem do Brasil, essa barreira não existe aqui e assim, depois desta primeira etapa, os visitantes podem seguir viagem já familiarizados com o novo continente e mais confiantes para enfrentarem o obstáculo linguístico.
Se decidirem aceitar este desafio estou certo de que os traceurs portugueses que contactarem vão fazer tudo para que se sintam em casa e claro, este blogue é um espaço aberto para manifestarem essa vontade de cruzarem o vosso com o nosso Percurso.
segunda-feira, 9 de junho de 2008
O paradoxo da rede
Uma das características mais importantes do Parkour, que está para além da sua dimensão física, é o movimento comunitário que é capaz de gerar e do qual, por sua vez, ganha energia. Por comunitário, refiro-me a uma nova forma de acontecerem as relações sociais, diferente já daquela em que pessoas moravam mais ou menos próximas, partilhavam lugares, serviços e acontecimentos. Creio que evolui a partir desta ao passar a incluir um paradoxo, permitido pelas novas tecnologias e por toda a tradição ciberespacial consequente. Este consiste na vivência de um acontecimento por duas formas até agora mutuamente exclusivas – a local e a global. A tal ponto, que os próprios conceitos de local e global já se vão confundindo, quando acontecimentos, eventos, feitos e conquistas alcançadas a muitos quilómetros de distância se apresentam com a mesma força, a mesma insistência e a mesma importância do que outros ocorridos a alguns quilómetros apenas. Contribui para isso a própria natureza da Internet, onde não existe o conceito de distância, porque tudo está em todo o lado ao mesmo tempo, nem o de movimento de informação. Curioso como vive o Parkour de um fenómeno completamente estéril de movimento.
Este fenómeno vai, ainda assim, muito para além do Parkour. É um fenómeno social total. O que é muito particular do Parkour é o facto de ter aparecido e se ter desenvolvido já dentro deste novo espírito comunitário. Não houve nunca Parkour fora de um mundo onde a importância, o valor e nosso contacto com os acontecimentos perderam o seu referencial tradicional – a aproximação física de cada um a esses acontecimentos –, ganhando um outro… qual? Ainda não se sabe muito bem. Se antigamente aquilo que era importante na vida das pessoas, que tinha o poder de as afectar, mudar de ideias, aquilo que preenchia a sua existência, no sentido mais forte da expressão, era determinado em quase toda a sua totalidade pela sua aproximação e pela distância, hoje, esse marco começa a tremer à medida que a Internet vem destruir essa distância. Se a televisão começou a configurar este novo mundo, e cada contributo tecnológico antes dela também, a Internet imprimiu uma velocidade frenética às mudanças que só se podiam timidamente antever, empurrando-nos para ele quase sem darmos conta disso.
A aproximação cronológica da explosão cibernética e do surgimento do Parkour dá-nos a suspeita de que todo o movimento deste seria muito diferente caso imperasse o referencial social tradicional, ao mesmo tempo que nos deixa o sinal de que precisa deste novo paradoxo para respirar, como são precisos os conselhos, os vídeos, os artigos, as imagens para o traceur, de Lisses, de Cambridge, do rigor francês, da eficácia britânica, do instinto letão, e como há tanto deles no nosso treino, nas nossas escolhas, no nosso método. Quem seria David Belle sem a nova tradição? Teria permanecido um bombeiro local, com longas e belas lembranças de uma juventude passada a subir muros, paredes e árvores, momentos de companheirismo são com os seus vizinhos de Lisses, e nada mais que um registo vago na memória de tempos idos e perdidos. Que seria feito dessa semente cultivada em terra francesa sem o adubo tecnológico e a energia proveniente de todos os cantos desta aldeia global? Germinaria? Estiolaria?
Nota: este artigo retoma um tema tratado previamente no artigo "A rede".